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PÁGINA CRIADA EM 05.09.2002

- "Solo Tulsa, American nove-sete-quatro pronto para push-back."

- "American nove-sete-quatro, solo Tulsa, livre push-back".

Com o trator iniciando seu movimento, o 727-100 "974" da American Airlines lentamente começa a afastar-se do terminal do Aeroporto Internacional de Tulsa, até que seus motores começam a girar. A equipe do trator despede-se e saúda a tripulação, que pisca os faróis do trem dianteiro em resposta.

- "Solo Tulsa, American nove-sete-quatro pede instruções para taxi para o centro M&E."

- "American nove-sete-quatro, Tulsa. Utilize a taxiway Alpha e cruze a pista 26 até Alpha 2. Na sequência, cruze a pista 35 até o terminal American".

O 727 "974" não está preparando-se para voar. Ao contrário, algumas horas antes chegou de Chicago, operando o vôo AA439. Este Boeing 727-23 de prefixo N1974, que fez seu primeiro vôo em 1964, está sendo retirado de operação pela American para um Check C Leve, após três mil horas de vôo desde a última verificação deste tipo. A aeronave possui 68.223 horas de vôo e 51.641 ciclos e foi entregue para a equipe do Centro de Engenharia e Manutenção da American Airlines (M&E) em Tulsa. No assento da esquerda está um mecânico qualificado para operações A&P (Airframe & Powerplant), autorizado a taxiar o avião com a força de seus motores JT8D-7. Ao chegar ante o grande hangar com o logotipo da American, os motores são cortados e os freios acionados.

- "Solo Tulsa, American nove-sete-quatro livre.

- "American nove-sete-quatro, Tulsa. Tenha um bom dia."


Imagem panorâmica do centro de manutenção da American Airlines em Tulsa

Enquanto a cidade de Tulsa dorme e o aeroporto está calmo, a aeronave N1974 será mantida na parte de fora do hangar e preparada para o início dos trabalhos. Cinco mecânicos do turno da noite alinham-se ao lado do 727 e começam seu trabalho. Dois dirigem-se ao cockpit e os outros três checam a cabine de passageiros e o exterior do avião. Após uma verificação inicial, iniciam a lavagem do Boeing para evitar que a sujeira acumulada na operação normal do aparelho possa camuflar algum problema. O próximo passo é abrir as coberturas dos motores e ligá-los para que se possa detectar algum tipo de vazamento de óleo ou alguma outra anormalidade. Nesta fase, buscam-se também vazamentos em difusores de ar da cabine (comuns em antigos 727-100) e vazamentos também nos lavatórios. Este vazamento nos banheiros é particularmente perigoso, pois a água pode se infiltrar em painéis externos, terminando por sair e criar, na parte de fora da fuselagem, o chamado blue ice (gelo azul), em altas altitudes. Muitas empresas já perderam motores e tiveram grandes prejuízos com a ingestão pelas turbinas deste tipo de gelo, motivo que torna a busca deste vazamento uma prioridade.

Uma vez que a checagem na rampa é terminada, o 727 "974" é movido para dentro do Hangar 1. O trator o move lentamente para trás pelas grandes portas, enquanto mecânicos preparam macacos hidráulicos e elétricos para iniciar os trabalhos mais pesados, incluindo o suporte para a parte traseira da aeronave. Após a entrada do 727 no hangar, a equipe da noite despede-se do "974" e enquanto os mecânicos, alguns mais novos que o avião, vão embora, este aguarda a equipe nova, que chegará às 06h30.

Foto/Photo: Frank Schaefer
Imagem do 727-23 prefixo N1972, visto em Dallas em julho de 1988. A aeronave é idêntica ao N1974 mencionado nesta reportagem


MANUAIS, GABARITOS E MAIS...


O Trabalho que está para começar é uma combinação de procedimentos previamente determinados e ações corretivas de problemas efetivamente encontrados na aeronave. É como levar um automóvel para uma revisão por quilometragem. Barry Lederman, supervisor para Check C da American e mecânico qualificado pela FAA, atuando na base Tulsa desde 1977 (dados da revista Airliners de 1991 - Nota do Editor), é quem explica o processo: "O trabalho que fazemos aqui é norteado pelos Cartões de Procedimento (Pattern Cards), ECO's, FCD's, Shingles, E58's e outras diretivas e manuais técnicos aplicáveis a aeronave".

Cartões de Procedimento, como o próprio nome diz, são os que prescrevem como o trabalho deverá ser realizado. Dias antes do "974" chegar ao hangar de Tulsa, a gerência de escala de trabalho determinou que grupo de trabalhadores iria se dedicar a este 727 e a cada um dos outros aviões que chegariam para receber seus cuidados técnicos. Para cada tipo de aeronave, foram separados os manuais técnicos necessários, de onde saíram os cartões de procedimento requeridos, criado por um departamento específico de engenharia do fabricante, em função do componente ou sistema sob sua responsabilidade. Por exemplo, o trem de pouso possui um cartão específico para o braço de atuação da porta das rodas principais do lado direito e outro para o esquerdo. Há ainda um Cartão-Mestre (Master List), que lista todos os Cartões de Procedimento para uma aeronave específica, com espaços para que os trabalhos sejam designados e, depois de realizados, recebam a baixa da lista geral.

Os mecânicos devem receber estes cartões segundo a escala criada pela Engenharia de Manutenção, realizar as tarefas prescritas, assinar o cartão e colocá-lo na bancada de procedimentos completados. Um Inspetor de Garantia de Qualidade irá então verificar o cartão, verificar visualmente se cada procedimento foi seguido na ordem especificada e assinará junto, atestando este fato. O cartão é entregue em seguida para o Controle de Produção, onde será novamente auditado e contabilizado no Cartão-Mestre e repassado para um segundo Inspetor de Garantia de Qualidade, que repetirá a verificação.

Enquanto os Cartões de Procedimento cobrem as manutenções de rotina, os ECO's (Engineering Change Orders - Ordem de Mundanças de Engenharia) são exemplos de resposta aos problemas observados no modelo de avião em si. Eles são frequentemente o resultado de uma colaboração entre as empresas, o FAA e os fabricantes das aeronaves. Um exemplo disso ocorreu após que, em Detroit, um 727 da Northwest decolou e caiu pouco após, devido a um ajuste imprório dos flaps. O NTSB (National Transportation Safety Board) descobriu que, sob certas circunstâncias, o sistema de avisos do Boeing 727 não indicaria o ajuste errado dos flaps, emitindo um ECO específico seguido pela engenharia da American Airlines, evitando que isso ocorresse com uma aeronave da empresa. Outros problemas, menos dramáticos, requerem atenção contínua. Por exemplo, a ECO H4131 exige que sejam susbtituídas as portas de acesso ao sistema de combustível em ambas as asas, acatando a recomendação FAR 121.316. Esta ECO de oito páginas traz instruções completas, passo-a-passo, incluindo diagramas e referências cruzadas com o manual de manutenção do fabricante, com os espaços necessários para que mecânicos e pessoal do controle de qualidade anotem seu cumprimento.

Os FCD's (Fleet Campaign Directive - Diretivas de Trabalho de Frota) são outra tentativa de se resolveros problemas enquanto eles ocorrem com os aviões. Por exemplo, o FCD HF0937, intitulado "Slats de Bordo de Ataque - Inspeção das Porcas das Corrediças", dispõe que cada 727 na frota da American Airlines (164 unidades em 1991), tenham estas porcas verificadas para rachaduras/quebras a cada 2.500 ciclos, depois de 30 de setembro de 1990. Esta FCD em particular, foi criada em resposta a uma AD (Airworhtiness Directive - Instrução de Aeronavegabilidade) da FAA, gerada em resposta a um incidente de quebra de dos slats do bordo de ataque de um 727 em pleno vôo. Outras FCD's são resultado de pressões públicas ou preocupações do fabricante. Um exemplo de pressão pública foi dado após o incidente com um Boeing 737 da Aloha Airlines, em que a fuselagem superior foi arrancada em vôo. Após este incidente, o Congresso Americano e a Boeing criaram o Programa de Aeronaves Antigas (Aging Aircraft Program), que tornou mandatório a inspeção de equipamentos mais antigos, para prevenir problemas como os da 737 da Aloha. Em resposta a uma AD neste sentido, a American Airlines criou uma FCD que afetava 39 dos seus 727-23 e 42 dos mais antigos 727-223. Com 2.500 ciclos ou a cada 18 meses (depois de 12 de fevereiro de 1990), qual cada uma destas aeronaves deveria passar por uma minuciosa inspeção eletrônica para prevenir quebras nas junções dos painéis da fuselagem.

Cartões de Procedimentos, ECO's e FCD's são o produto de meses de cuidadoso planejamento. Os Shingles, por outro lado, são gerados como respostas para problemas imediatos e compõe-se de um cartão de duas partes. A parte maior é colocada na parte da frente do Livro de Registro de Ocorrências da aeronave e a outra, menor e auto-adesiva, fisicamente colocada no item da aeronave que apresentou anomalia. Este problema também é anotado em um computador, que irá colocá-lo na lista de manutenções em aberto da aeronave em questão. O "974" possui uma Shingle no livro de ocorrências para o sistema de manutenção de altitude do piloto automático, anotada em Raleigh um dia antes da parada em Tulsa. Quando desta anotação, os mecânicos da base local contataram o centro de Tulsa para saber se seria permitido que a aeronave operasse durante algum tempo com este item inoperante, sendo autorizada a operação até que a aeronave fosse enviada para o Check C. Se o problema fosse com algo mais sério, a aeronave deveria ser reparada antes de voar novamente.

O supervisor Barry Lederma explica que "Se os mecânicos de linha nas paradas da American podem efetuar o reparo necessário e, se ele não vai atrasar o avião por muito tempo, então a manutenção pode ser feita assim que se descobre o problema. Se a ocorrência é séria, mas o avião permanece em condições de voar, a aeronave será então colocada em uma escala de vôo que termine em uma base de manutenção, geralmente um aeroporto de cidades maiores. Se o problema é mais grave, o que é raro, a aeronave pode até mesmo ser enviada em um vôo de traslado sem passageiros para algum lugar onde o trabalho possa ser realizado."

Similares as Shingles, são as E58's, que também são geradas em razão da necessidade. Por exemplo, se os mecânicos notam um problema que não está ligado ao trabalho que está sendo desenvolvido no momento, ele é obrigado a escrever uma E58 que permitirá que este trabalho seja realizado mais tarde. No "974", um mecânico notou que um dos atuadores dos slats do bordo de ataque estava vazando, escrevendo uma E58. Inclusive os inspetores que devem verificar os Cartões de Procedimentos são obrigados a criar E58's cada vez que uma anormalidade é encontrada. Como algumas áreas devem ser fisicamente inspecionadas depois da manutenção, uma E58 é criada para que um inspetor da engenharia possa checar o trabalho dos mecânicos.

Por todo este trabalho, cada Check C Leve dura pelo menos três dias. O primeiro dia, conhecido como Pre-Run, é utilizado na abertura de sistemas, painéis e inspeção da aeronave. O segundo dia, o Mid-Run é utilizado em reparos propriamente ditos e o terceiro dia, chamado de Post-Run, é utilizado no fechamento e teste do avião. Na base de Tulsa, o Mid-Run inclui uma operação específica pela qual os mecânicos do turno da noite levam o avião para fora do hangar para teste dos motores e outros procedimentos. Assim, problemas podem ser encontrados enquanto ainda há um terceiro dia disponível para que eles sejam corrigidos. Assim, a equipe de Tulsa diminui as chances de um problema durante o teste do terceiro dia, atrasar a volta da aeronave para sua operação nas rotas da empresa.

É comum que aviões mais antigos fiquem quatro dias ao invés de três no Check C Leve e aviões mais maltradados chegam a ficar até seis dias, o que é raro. A maior parte da frota da American Airlines visita a base de Tulsa pelo menos uma vez ao ano e fazer um cronograma desta manutenção programada é responsabilidade do setor de Operação de Manutenção. Como explica Barry Lederman "a equipe de Operações não envia um avião para nossa base sem que nós estejamos prontos para devolver um de volta a escala de vôo. Nas raras ocasiões em que nós temos um teste falho, o próximo avião na escala é mantido em operação com manutenções periódicas até que possa ser trazido a Tulsa."


CHECANDO AS MANUTENÇÕES


O centro de Tulsa não executa todas as revisões da frota da American Airlines. Há bases em La Guardia, O'Hare, Dallas/Fort Worth, San Francisco ou em uma das demais 32 estações equipadas para realizar manutenções programadas da empresa. O teste mais simples, chamado de Cheque de Serviço Periódico (Periodic Service Checks - PS-0912) e necessita de aproximadamente 12 horas-homem. Depois existe o chamado Check A, mais complexo, mas que pode ser efetuado em uma noite. É basicamente uma inspeção visual um pouco mais detalhada, que necessita de 75 horas-homem para ser completada em um Boeing 727. O Check B, ainda mais complexo, também é realizado em uma noite, mas com mais recursos, necessitando de 300 horas-homem. O Check C pode ser leve ou pesado (light ou heavy). O primeiro foi descrito nesta matéria, durando em torno de três dias e o segundo, mais intensivo em todos os procedimentos de manutenção, necessitando de um mínimo de 15.000 horas-homem em um total de quatro semanas. Neste Check C Pesado a aeronave é totalmente aberta, inspecionada e renovada. A cada 14.000 ou 15.000 horas (ou a cada cinco checagens leves) uma aeronave é levada até Tulsa para esta verificação mais detalhada.

Foto/Photo: Bryan Stevenson
Um 727-223A visto em Opa Locka em janeiro de 2002. A aeronave está recebendo manutenção para voltar ao serviço ativo por outra companhia

Para uma pessoa comum, um avião em Check C Pesado se parece mais com um avião em construção. Todas as partes removíveis são retiradas da aeronave, inclusive a pintura, para que se tenha uma noção mais completa do estado da fuselagem e suas junções. Todos os instrumentos da cabine, os assentos dos passageiros, os painéis laterais e do teto, o revestimento do chão, os lavatórios e as cozinhas. Ainda são removidos os trens de pouso, suas portas, os slats e os flaps da aeronave. Um avião saído deste tipo de checagem é fica como um novo. "Cada maior componente estrutural pode ser substituída durante este cheque", diz Lederman. Os mecânicos chegam a inclusive cortar pedaços da fuselagem que estejam em mau estado, colocando novas partes no lugar, o que pode ser frequentemente visto no contraste de partes novas e brilhantes em aviões já sujos e velhos.

Cada avião saído de um Check C deve ser testado em vôo para demonstrar que está novamente em condições de operar. A American Airlines possui um grupo especial para os testes de vôo, capaz de checar a aeronave em todos os aspectos de seu envelope de vôo. Eles testam também os aviões saídos de um Check C Leve, que tenham tido seus controles aerodinâmicos trocados. Ocasionalmente eles retornam do teste e pedem um supervisor da engenharia para voar com eles, para que possam confirmar a ocorrência ou não de algum problema que precise de uma manutenção adicional.

O motor, apesar de ter sua cobertura removida e alguns itens verificados, não são obrigatoriamente removidos no Check C, pois tem suas horas contabilizadas em separado da aeronave em si, o que geralmente torna comum ver um motor substituído em uma manutenção comum nas bases normais da empresa. Porém, quando um motor precisa de uma manutenção completa, após retirados são enviados para Tulsa, onde será completamente desmontado e verificado, sendo depois remontado como se novo fosse, reiniciando a contagem de horas de uso do zero.


A BASE DE MANUTENÇÃO E ENGENHARIA DE TULSA


Ocupando 277 acres (1.12 Km2), a Base de Engenharia e Manutenção(B&M) de Tulsa é grande e ainda cresce (dados da revista Airliners de 1991 - Nota do Editor). De acordo com Phil Augustine, gerente da frota de 727 da American Airlines, o complexo inclui cinco grandes hangares, um prédio dedicado especialmente para trabalhos com motores, outro para componentes, um para teste de motores, um depósito de componentes e prédios de administração. Sua capacidade (dados da revista Airliners de 1991 - Nota do Editor) é para atender 21 aeronaves simultaneamente, incluindo os modernos MD-11. A empresa está em Tulsa desde 1946, iniciando sua presença naquela cidade com dois hangares e esta cidade foi escolhida por estar a seis horas de vôo de avião a pistão de qualquer das costas, aproximadamente o centro das rotas da empresa naquela época.

As manutenções de aviões como o Boeing 727 ou o McDonnell Douglas MD-80 em Tulsa são simples de se escalar, pois estas aeronaves voam regularmente para Tulsa, sendo tudo uma questão de acertar que a escala de vôo de um avião em particular termine em Tulsa no dia determinado. Porém, no caso dos Wide-Bodies como os MD-11, a questão é mais delicada, pois estes raramente realizam viegens comerciais até esta cidade. A solução que a empresa possui para estes casos é a de colocar o avião para um vôo até Dallas, levando-o em traslado até Tulsa. Uma escala eficiente para a manutenção é fator determinante para a empresa americana. John Fowler, gerente do programa de Check C do Boeing 727 da American Airlines disse que "Uma das razões para que a American tenha lucro é o seu eficiente programa de manutenção. Uma empresa aérea tem um número limitado de aeronaves e eles devem operar ao menos dez horas por dia. Eles não fazem dinheiro parados e uma empresa aérea não pode deixar que isso ocorra por falta de manutenção." Um Check C geralmente começa a ser preparado vinte dias antes da chegada da aeronave esperada.

Três dias após sua chegada, o 727-100 "974" está pronto, finalizando seu Check C Leve e totalmente pronto para voltar as rotas da empresa. Sua fuselagem foi lavada e polida por fora e seu interior foi renovado. Os macacos são baixados, os suportes de movimentação dos mecânicos ao redor do 727 são removidos, as portas do hangar se abrem e o trator começa a puxar o N1974 para a rampa, onde será realizada a última inspeção. Após este último teste, o "974" será levado para o terminal, de onde vai decolar com passageiros para o vôo AA762 entre Tulsa e Dallas. Neste mesmo dia, mais tarde, outro 727 vai deixar o terminal e mais uma vez as ondas do rádio vão ecoar uma conhecida frase:

- "Solo Tulsa, American nove-sete-uno pede instruções de taxi para o centro M&E."

Tradução parcial da matéria de Stan Solomon, publicada pela revista Airliners, Volume 4, Número 1, Primavera de 1991.


Sérgio Ricardo